quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

O intruso do sótão (cap. 1)


Capítulo 1

Era uma tarde comum de inverno. Não estava nevando, como seria o sonho de muitos. Nem sequer ventava. Era apenas o mesmo campo verde e brilhante; a única diferença era o céu infinitamente azul, sem um único torrão branco flutuando no céu. Para alguns, era a imagem mais linda que já viram na vida. Para Helena, era o próprio tédio solidificado.
Já era começo de Agosto, o aniversário de Helena se aproximava. Apesar de completar treze anos, Helena ainda era um pouco infantil, ela mesma sabia disso e estava decidida a mudar, mas nem por isso ela deixava de ser totalmente irresponsável e mimada. Esses eram alguns traços de sua personalidade que ela tentava apaziguar, mas ainda não obtinha sucesso completo.
Pelo menos amanhã é segunda. Pensou Helena. Vou voltar para a escola e encher a minha cabeça de trabalhos. Vou ver minhas amigas,e esquecer tudo aquilo. Conseguirei ficar bem.
A verdade era que as férias de inverno tinham sido horríveis para Helena. Tudo que ela queria era se divertir com as pessoas, especialmente as amigas, o que acabou causando uma discussão com o namorado dos sonhos, Thiago, que terminou com rompimento e o orgulho ferido, por ter sido chamada de criança.
Helena não era criança, era um pouco mimada e um pouco irresponsável também, mas sabia aonde pisava. Tinhas notas brilhantes e não era de modo algum impulsiva. Estava sempre com ideias revolucionárias e entre a turma era quem conhecia um pouco de todos os assuntos. Ele não tinha o direito de chamá-la de criança. Apesar de ela gostar de brincar e se divertir como uma criança sua mente não era, de modo algum, a de uma criança.
Aquilo havia ferido o orgulho de Helena, o orgulho que para ela só é um defeito quando excessivo. Quando pequeno, é uma espécie de gratificação própria, desde que não usado contra as pessoas. Porque não sentir orgulho de algo bom? Se for um orgulho pequeno e próprio não é orgulho, é auto estima. Era o que Helena dizia quando a julgavam orgulhosa.
Mesmo o orgulho (ou auto-estima, como ela dizia) não foi capaz de impedir que ela chorasse meses e meses seguidos escondida no sótão que a impedisse de ver as amigas, com medo das interrogações sobre o que acontecera. Não a impediu de tentar desesperadamente alterar seu tipo físico, consumindo cada vez menos comida e doses absurdas de cálcio, em um apelo desesperado de crescer. Ela mentia para si mesma, ao dizer que aquilo não era para ele, mas era. Era para mostrar o que ele havia perdido, o que deixara escapar e que nunca teria de volta, nem algo parecido.
Mesmo sabendo que ele se arrependeria, a ideia não reconfortava Helena. Ela o amava de verdade, um sentimento raro aos treze anos. Não é algo que você supere simplesmente com o passar do tempo. Alias o tempo não muda nada; ele só tira coisas ruins do foco da nossa atenção. Porque se paramos um pouco e reviramos a mente, as coisas indesejáveis sempre vão aparecer, brilhando mais do que outras. Por isso, o principal objetivo de Helena era manter a mente ocupada, até que o capítulo perdesse o foco. Por isso ela estava sentada sozinha no sótão, com um livro enfiado no nariz, ao invés de estar aproveitando a bela tarde para andar de bicicleta, que ela adorava. Mas que deixava a mente vazia, por não exigir a atenção necessária.
No entanto, o assunto abordado era pouco interessante. Era um dos livros velhos do pai, que abordava temas como aristocracia e burocracia, assuntos fora da área investigativa da garota. Mesmo assim, ela se esforçou ao máximo para entender, pois se aquilo era importante para o pai, certamente era importante para a vida. Mas isso não foi o suficiente para que ela conseguisse ler mais de seis páginas. Vencida, ela fechou o livro e deixou-o pousar em seu colo. Lembrou-se tristemente de quando fazia isso com Thiago. Mas estava decidida: não sentiria falta dele, nem de nada que aconteceu enquanto estavam juntos.
Determinada, ela pegou o livro e saiu do sótão. Não voltaria ali nem em um milhão de anos, por que lá que se passavam capítulos que ela queria esquecer, e ela iria esquecer. Fechou a porta e trancou com cadeado, certificando-se de jogar a chave bem longe pela janela, para que nunca mais encontrasse. Não voltaria a ver o sótão nunca mais.







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